Se até hoje você não passou por isso, não se sinta tão estranho porque apresento a você Renata Cechinel, fotógrafa, modelo, produtora de moda e apaixonada por História. Um mergulho no passado, revisitando histórias e caminhos já trilhados: esta é a impressão que ela passa ao ser vista andando por uma rua qualquer. Ao conhecê-la, no entanto, dá pra perceber que embora exista o amor pelo antigo, o cheiro de naftalina passa longe dela. Renata revisita e mergulha, mas repagina, relê e transforma o velho em novo.
Hoje, Renata se diz amante do Brasil e da tropicália e ousa proferir que devemos passar por um novo movimento Antropofágico. Sim, como o da Semana de 1922. Com a cultura de fora servindo como alimento para criarmos, definitivamente, nossa própria identidade.

Rua247: A primeira curiosidade que tive ao te ver foi: será que ela já nasceu assim? Você parece meio pronta, como se já tivesse nascido preparada. Foi isso mesmo?
R: Claro que não, já fui bem cafona. É complicado pensar como começou tudo, mas adianto que sempre gostei muito de história. Antes mesmo da moda, minha primeira ligação foi com a história. Dizem que alguém é sempre responsável pela manutenção das fotos da família e, depois de um certo tempo, vi que eu seria essa pessoa, pelo meu interesse em ver tudo, em saber de como aconteceu minha história e o passado da minha família.
Rua247: E desde cedo esse interesse todo se transferiu à sua forma de se vestir?
R: Não, demorou bastante, até. Já fui do time das calças de ginástica, do Nike Shox e das jaquetinhas de nylon. Mas, embora não andasse perua quando criança, sempre me mantive metida em tudo que envolvesse produções, roupas e espetáculos. Sempre participava das apresentações de fim de ano, das gincanas, de tudo. Era uma das lideres da turma. E eu era louca, já dancei até de cinta-liga em colégio de freira. Aos onze anos promovi um desfile no colégio. Cafoooona. Coloquei um scarpin dourado da minha mãe com uma meia azul até o joelho e, ai, nem me lembro de tudo, era bizarro demais. Depois, o que mais me aproximou da moda foi aos treze anos, quando fui fotografada pela primeira vez, colocando mesmo uma roupa e sendo modelo. Minha irmã havia feito uma coleção na faculdade e me fotografou na sala de casa, mesmo. A partir daí, comecei a convidar meu melhor amigo pra me fotografar. Acho que tomei gosto pela coisa. Embora fosse tudo amador e com uma câmera cybershot bem simplória, a gente sempre criava um miniestúdio, uma ambientação especial e um tema. Já fiz Moulin Rouge, mágica, Tropicália... Isso durou dos treze aos dezesseis, quando tomei vergonha na cara e comecei a fazer um material mais elaborado. Finalmente o material começou a ficar mais bacana, dava pra sentir minha identidade.
Rua247: Então você considera que sua irmã foi propulsora da formação da sua personalidade?
R: Como irmã mais velha, me inspirava e a tinha como uma referência. Mas acho que foi o gosto pela história, pela antiguidade e o desejo de querer fazer minha arte própria que foram responsáveis por ser quem eu sou.
Rua247: Mas em que momento começou, de fato, essa mudança nas suas roupas, abandonando a calça de ginástica e investindo em quem você é hoje?
R: Ah, é uma história meio complicada. Meus pais produziam arroz, tínhamos uma vida muito confortável, dinheiro não era uma questão preocupante pra nós. No entanto, de repente perdemos tudo e a empresa quebrou. Meus pais sofreram demais e eu e minha irmã tivemos todas as nossas regalias cortadas. Foi difícil, mas hoje vejo que graças a essa falência, pude me descobrir como sou. As roupas, que não podiam mais ser de marca, passaram a ser compradas em brechós. Descobri um brechó na minha cidade e passei a usar só roupas de lá. Tive que estudar ainda mais, aprofundar ainda mais meus conhecimentos para me guiar por uma referência de estilo que fizesse eu me sentir bem e confiante. Aí descobri Marlene Dietrich, minha eterna musa. Eu tinha um pouco dela. Enquanto as outras meninas sonhavam em ser Marilyn Monroe ou Audrey Hepburn, enquadradas num padrão de beleza e, claro, famosas, eu só tinha olhos para Marlene. Ela era diferente, exótica, dona de um humor ácido e refinado. E de trejeitos andróginos, de roupas marcantes, tudo muito à frente de seu tempo. Digo, enfim, que da dificuldade eu surgi. E o sofrimento foi responsável pela minha reconstrução.
Rua247: E desse momento, como você veio parar em Floripa?
R: Minha irmã já morava aqui e eu tinha aquela vontade de estudar na capital. As faculdades de Floripa são melhores e queria estudar na UFSC. Fiz vestibular e passei pra História. Paralelamente, comecei a cursar Fotografia. Era uma loucura e tudo ficou ainda mais corrido quando eu crei meu blog. Eu queria ser vista e o melhor jeito era divulgando meu trabalho na internet, daí surgiu o Prefiro Champagne, um site em que eu publicava editoriais temáticos, produzidos por mim mesma e fotografados por profissionais parceiros do projeto. Foi bacana, tive bastante reconhecimento e saí em várias revistas e sites especializados, mas era uma loucura e tinha um lado horrível em toda essa exposição.
Rua247: O que pode haver de ruim em ser reconhecida pelo que faz?
R: Ah, querido, eu dependia de fotógrafos, eles levavam séculos pra me mandar as fotos, às vezes não mandavam em alta resolução, era terrível. Além disso, comecei a me perder e esquecer quem eu era. Meus editoriais eram temáticos e, depois de um tempo, eu não me via mais lá. Quem eu era? Eu era tudo o que podia vender no meu blog: hippie, rock, grunge, pop... Quando eu falei sobre grunge, por exemplo, ai, nem gosto de grunge. Mas o editorial foi ótimo, vendeu muito. Mas, cara, detesto nirvana, to nem aí pra calça rasgada e tênis sujo e lá estava eu rasgada. Era eu, mas não era eu, dá pra entender?

Rua247: Confuso, mas compreensível. E o que você fez pra se livrar disso tudo?
R: O que eu fiz? Simplesmente me livrei disso tudo, ué. Chega um momento em que você quer um tempo disso, principalmente quando a profissão mexe muito com o ego das pessoas. Então eu sumi. Sumi por pouco tempo, devia ter sumido mais. Queria ter ficado mais tempo longe da moda, de pessoas da moda, da fotografia, ai, de pessoas no geral. Daí parei. Parei de fazer tudo. Até de trabalhar. Só chorava, tomava remédios... Nunca tomei remédios muito fortes porque não queria me prejudicar, mas precisacva de remédio pra dormir. Lia muito. Tentava ficar mais zen do que nunca.
Rua247: Dizem que fazer um hiato durante o percurso da vida é bom, faz a gente repensar o que quer do mundo e o que quer de si. Quanto tempo durou seu hiato e como você avalia esse período?
R: Durou quatro meses. Até perceber que eu precisava de dinheiro e precisava voltar pra internet pra divulgar meu trabalho. Foi egoísmo meu me livrar e me distanciar de tudo. Fiquei dependendo dos meus pais e isso não me fazia bem. Voltei, então, ao Facebook e a divulgar meu trabalho. Foram quatro meses bons e ruins, diria que são 4 meses que todo mundo precisa passar na vida, por isso meu balanço é bastante positivo. Recomendo!
Rua247: E como é a Renata reconstruída depois desse silêncio ao mundo?
R: Precisei reunir todas as minhas coisas e me perguntar: “do que eu gosto?”. Sempre gostei de turbante, aos dezesseis anos já era montada no turbante e na piteira. Não é algo que eu faça e use para me sentir na moda, gostei desde sempre, como também gosto de leques, uso leques, adoro leques. Essa coisa de tudo virar moda e cair no gosto do povo me incomodava demais, mas aprendi a conviver com isso da melhor forma possível: estudando mais e repaginando tudo para continuar tendo minha identidade. E foi isso o que fiz nesses quatro meses, só me reconstruí, estreitei minhas referências. Umas das minhas maiores referências, além da Marlene Dietrich, é a Louise Ebel, do blog Miss Pandora. Ela estuda história antiga e fotografa se retratando como as mulheres dos clássicos da pintura. Ela realmente passa conteúdo e informação, sem precisar ler mil livros, tudo com os comentários que ela pontua e com sua própria imagem. Hoje eu sou só a Renata. Prefiro o samba ao rock, mas junto o refinado e o popular. Transformo o que vem de fora em referências de Brasil. Ouço musica clássica, mas em seguida vem o samba de raiz.

Rua247: Será que essa sua chateação e vontade de sumir também não foi reflexo da sociedade florianopolitana?
R: O problema era comigo, eu acho. E com o mundo, também. Não é só Floripa, na verdade. É o Brasil. Somos a bola da vez e não estamos aproveitando. Isso me deixa indignada. Cadê a valorização da cultura nacional, sem esteriótipos, sem aquela imagem imutável de Carnaval e futebol? Nós somos Carnaval, nós somos futebol. Somos também acarajé, praias, verão, bandidos, novelas. Mas somos muito mais do que isso. Por isso, sempre digo que devemos passar por mais um Movimento Antropofágico. Chega de imitar o que vem de fora e considerar o importado como verdade absoluta. É hora da gente ter uma identidade forte e própria.
Rua247: Você conseguiu criar sua identidade forte e própria?
R: Dizem que sim, embora viva uma incessante busca pelo conhecimento – e pelo autoconhecimento. O que eu acho de mim mesma é que não nasci pra desenho, não tenho bons traços, não nasci pra dança, não sei interpretar e, de alguma forma, sempre quis criar minha arte. E a minha arte é por cima do corpo mesmo, criando, com panos, com acessórios, vestindo histórias. As pessoas me acham excêntricas, mas discordo: só não me limito. Quando se refere à arte, não há e nem pode haver limites. Tô sempre aberta ao novo, pronta pra criar, por isso sempre pesquiso e concilio tudo com meus gostos pessoais. E é aquela coisa: não dá pra ter vergonha do que você vai vestir, nem medo, muito menos dar bola pra opinião alheia. Porque eles vão falar, eles vão comentar, eles vão apontar. Se você não estiver preparado pra isso, pra dar a cara a tapa, então é melhor se trancar em casa ou se manter uniforme, dentro da forma que já existe e não muda. Acho que estou no caminho certo e, assim como eu, é isso que mais gente tem que fazer: mostrar a sua arte. Porque se você não fizer, vem outro e faz. E daí, meu amigo, já era. Você deixa de ser a matriz e se torna só mais uma cópia.
R: Dizem que sim, embora viva uma incessante busca pelo conhecimento – e pelo autoconhecimento. O que eu acho de mim mesma é que não nasci pra desenho, não tenho bons traços, não nasci pra dança, não sei interpretar e, de alguma forma, sempre quis criar minha arte. E a minha arte é por cima do corpo mesmo, criando, com panos, com acessórios, vestindo histórias. As pessoas me acham excêntricas, mas discordo: só não me limito. Quando se refere à arte, não há e nem pode haver limites. Tô sempre aberta ao novo, pronta pra criar, por isso sempre pesquiso e concilio tudo com meus gostos pessoais. E é aquela coisa: não dá pra ter vergonha do que você vai vestir, nem medo, muito menos dar bola pra opinião alheia. Porque eles vão falar, eles vão comentar, eles vão apontar. Se você não estiver preparado pra isso, pra dar a cara a tapa, então é melhor se trancar em casa ou se manter uniforme, dentro da forma que já existe e não muda. Acho que estou no caminho certo e, assim como eu, é isso que mais gente tem que fazer: mostrar a sua arte. Porque se você não fizer, vem outro e faz. E daí, meu amigo, já era. Você deixa de ser a matriz e se torna só mais uma cópia.
Cada dia melhor esse site, parabéns!!!
ResponderExcluirAmei quando ela falou sobre: "Chega de imitar o que vem de fora e considerar o importado como verdade absoluta. É hora da gente ter uma identidade forte e própria".
Beijos