RODRIGO PEREK


Ajeitando o cabelo, Rodrigo veio se aproximando devagarinho à cafeteria, conforme combinado. Um tanto cansado de esperar, acreditando que ele nem iria aparecer, insisti. Sabia que daria uma boa história e precisava de alguma forma de alguém que tivesse uma vida interessante o suficiente para continuar com a Rua 247. Sentamos no café do Museu e sob os olhares atentos de Oscar Niemeyer e de uma Curitiba sedenta por cultura, Rodrigo Perek desabafou. Aos 27 anos, ele está cheio de planos, a todo vapor. E é ele que está por trás (ou à frente, na verdade) de um dos poucos blogs masculinos que alçaram voo e estão escalando ao sucesso. O blog Garoto de Grife se tornou referência aos meninos que procuram dicas de como se vestir bem e barato. Antes de acessar o blog dele, descubra agora um pouco mais dos segredos de Perek.



Rua247: Como foi sua infância?
R: Minha família é bem simples. Minha mãe não fez faculdade, meu pai é filho de poloneses e meus descendentes trabalhavam muito com a lavoura, por isso a simplicidade. Quando era criança, meus pais me davam tudo de que eu realmente precisava, nunca faltava nada, mas também não havia nada de luxo. O engraçado é que ele não me dava as coisas não por falta de dinheiro, mas, sim, porque ele não achava interessante e necessário. Por exemplo, fui uma criança que não teve nem videocassete em casa. 

Rua247: E não ter o que você queria não gerava nenhum tipo de revolta?
R: Eu não me revoltava. Entendia tudo. Por algumas coisas eu brigava, tipo brinquedos, por exemplo. Mas videogame, que eu sempre quis ter, preferia não brigar, porque eu sabia que era muito caro e achava que era por este motivo que meus pais não haviam me dado um. 

Rua247: Talvez a falta de um videogame tivesse instigado a sua criatividade, de repente. Você já se envolvia com o mundo fashion desde pequeno?
R: Aos meus seis anos, eu tinha um vizinho que era estilista, ele fazia croquis pra Gazeta do Povo. Então comecei a desenhar e tentava imitá-lo. A irmã dele era minha amiga, brincávamos muito de Barbie. Ah, desde criança eu já sabia que existia algo de 'diferente' em mim.

Rua247: Opa, então você se descobriu por essa relação próxima às amigas e às brincadeiras que você participava com elas?
R: Não só isso. Eu tinha bastante amigo menino. Mas, na época, os meninos pegavam os meninos. Tudo criança. Sexo não era algo escrachado como é hoje em dia. O pessoal se reunia pra brincar de esconde-esconde e eu já sabia que depois iria rolar alguma coisa. E pra mim isso era natural, embora nunca me envolvesse com nenhum deles. 

Rua247: Você parece tratar a questão da sexualidade de uma forma tão natural. Foi assim mesmo?
R: Foi. Havia gente que me chamavam de gay e eu achava normal e levava numa boa, porque eu sabia que era. E embora eu tratasse com naturalidade, me obrigava a ficar com as meninas, pra me sentir um pouco mais dentro do padrão, não sei. Namorei uma menina na quinta série, ia à casa dela brincar e daí antes de eu ir embora a gente ia atrás da casa dela e se beijava. Simples assim. 

Rua247: E sua família lidava com isso de que forma?
R: Ah, era coisa de criança pra eles. Uma vez, eu disse pra minha avó que queria uma Barbie. Fomos ao mercado e ela me ofereceu um brinquedo, então logo respondi que o brinquedo seria um a Barbie. Ela disse não, eu insisti. Ela disse não, mas eu insisti ainda mais. Voltei pra casa com a Barbie feliz da vida e minha avó nem reclamou depois. A propósito, minha avó foi a pessoa mais incrível da face da Terra. A primeira vez que eu fui ao shopping foi com a minha avó. Comemos Mc Donalds e nunca vou esquecer.



Rua247: Parece que você é bastante apegado à sua família. Bonito isso, diante de um mundo que está cada vez mais individualista. Sua relação com seus pais também é de admiração como é com a sua avó? 
R: Complicado responder isso. Admiro muito minha família, mas meus pais não foram tão ativos na minha criação. Minha mãe, por exemplo, nunca foi presente, ela teve muitos problemas consigo mesma, e, embora ela fosse dona de casa, nunca participou muito da minha vida. Ela sofria muito com Cisticercose, que atacava demais o sistema nervoso, então acho que ela mantinha certa distância da gente. Quanto ao meu pai, nunca tive referência dele para ser um homem. Nunca tive a visão de que ele era o homem da casa, por exemplo. Meu pai é incrível, mas a visão que eu tinha dele era a de que ele era o pai. E só. Trabalha, paga contas, traz comida e fim. Não precisava me dar carinho, dizer que me amava. 

Rua247: Quem supria toda essa carência materna de paterna foi sua avó, acertei?
R: Acertou. Minha avó era muito carinhosa, ela brincava de carrinho comigo, se ajoelhava no chão pra gente brincar. Lembro-me sempre de uma parte da minha vida que me emociona. Minha avó roncava demais e eu sempre queria dormir com ela. Então ela esperava eu dormir, a hora que fosse, pra só depois ela dormir também. Ela era firme, mas era muito presente. Foi uma referência pra mim, sabe? A parte triste disso tudo foi quando ela descobriu câncer. Eu tinha de catorze pra quinze anos e a doença durou uns seis meses até ela falecer. Meio que entrei em depressão quando ela se foi, mas não entendia que era esse o motivo. Então passei a buscar em todos os meus amigos um colo, ligava pra todos eles o dia todo. Hoje, vejo que era a falta que minha avó fazia e a ausência de carinho que eu passaria a ter, porque ela era a minha única fonte.

Rua247: Depois da morte de alguém que a gente ama, é realmente difícil continuar a vida logo de cara. Como foram seus anos seguintes?
R: As coisas complicaram um pouco. A questão da minha sexualidade, por exemplo, foi algo que passou a me incomodar e eu não sei se isso tem ligação à perda da minha avó. Entrei no ensino médio e comecei a sofrer bullying, porque andava mais com as meninas, conversávamos muito, brincávamos, eu era o melhor amigo delas e daí o povo começou a falar, né?  Nunca dei muita bola, embora fosse chatinho isso. Até que uma me incomodei bastante. Eu e mais um amigo éramos os gays do colégio e toda vez que nós  passávamos pelos jogadores de futebol da escola, eles mexiam com a gente. Uma vez, um deles chamou a gente de flor e eu respondi. Surgiu coragem não sei de onde e eu rebati: “qual teu problema? Eu trabalho o dia inteiro, estudo à noite e ainda tenho que ouvir gracinha de um besta como você que só joga bola?”. Daí eles pararam. Até porque a gente sabia que alguns deles também se pegavam. Tudo recalcado querendo falar mal de quem era bem resolvido! Isso me lembra de uma paixão platônica que eu tive por um menino do Paraná Clube. Todas as meninas morriam por ele e eu tinha certeza de que ele era bicha, mas sempre tive vergonha de me aproximar. Ficou no platonismo, mesmo. 

Rua247: Legal saber que você é alguém firme, provavelmente isso foi herdado da sua avó. Mas com a adolescência, a questão da sexualidade fica mais presente e costuma surgir uma necessidade em se envolver com alguém. Como foram seus primeiros relacionamentos com homens?
R: Entrei no bate-papo pelo celular e conheci um cara que era professor de body pump. Um negão enorme de 2 metros de altura. Todo musculosão, dava até medo. Até que fui pra casa dele e ele abriu a porta de cueca boxer. Eu tinha dezesseis anos e ele uns trinta, devia ser pedófilo. Ele passava a mão no meu braço e eu ficava retraído. Ele foi se aproximando e eu tava com medo e nojo. Na casa dele tinha tudo de que uma criança gosta: videogame, brinquedos, filmes. Então ele me perguntou se eu queria alguma coisa, pra poder relaxar e ficar mais à vontade. Só queria ir embora! Logo pensei em algo que ele não deveria ter em casa. Pedi sorvete. Ele tinha. Mas daí o deixei ir pra cozinha me servir e eu saí correndo sem olhar pra trás. Foi aterrorizante e hoje me arrependo da minha imaturidade em ter ido me encontrar com um desconhecido. 

Rua247: Mas isso não foi nem de perto amor, né? Como foi o primeiro relacionamento em que você se deixou envolver um pouco mais?
R: Pensei em como seria ter alguém mais sério e entrei no Blah, aquele chat de quem tinha celular da Tim. Conheci um menino chamado Marcelo, ele era bem mais velho e fortão. Eu tinha 18 anos. Ele morava em São José dos Pinhais, pertinho daqui de Curitiba. Mas eu era muito bobinho ainda, não manjava nada. Depois ficou claro que queria só meu corpo, analisando hoje. E, cara, foi horrível. A ideia que eu tinha sobre sexo era a de que ia ser lindo e bonitinho, mas não foi bonitinho. Ele praticamente me matou, foi horrível. Ele era fortão, mas o sexo foi horrível. Embora não tenham e apaixonado, gostei dele.  



Rua247: Complicado se frustrar logo de cara. E você continuou sendo bobinho até quando?
Até surgir o Peter. Eu estagiava no Farol do Saber e o Peter tinha 15 anos e já pulava janela pra ir pra balada. Ele fazia a unha, ele contava dos boys que pegava. E eu achava o máximo. Ficamos muito amigos e um dia a mãe dele ligou lá pra casa e disse que eu tava saindo com o filho dela e o induzindo a sair pra noite. Cheguei do trabalho um dia e minhas irmãs me chamaram pra conversar, falaram tudo o que a mãe dele havia dito fiquei chocado. “Rodrigo, se você for gay não tem problema algum”, disse a minha irmã. Ainda não estava preparado pra dizer algo a elas, embora eu já me aceitasse. Então só neguei. Mas, no dia seguinte, voltei ao estágio e fui falar com a mãe do Peter, perguntando o que ela tinha a ver com isso. Acabei me afastando de alguém que me ensinou muito, mesmo sendo tão novo. 

Rua247: Rebobinando um pouquinho a história da sua vida, depois dos croquis do seu vizinho, como ficou sua relação com a moda? 
Eu queria cursar moda, sempre quis. À época, só existia o curso na Faculdade Tuiuti e não era algo extraordinário, era bem novidade ainda. E fazer moda era a mesma coisa que alguém dizer que ia ser ator, quase ninguém entende, quase ninguém apoia e quase ninguém valoriza. Então decidi não estudar e só trabalhar. Até que conheci o um cara. Eu tinha 21 e ele tinha 32, já era formado. Conheci no bate-papo pelo telefone, também. Achei legal que ele já era formado, tinha uma profissão, então um gay poderia ser alguém na vida, porque até então considerava que todo gay ia virar algo mixuruca. A partir daí comecei a trabalhar com a irmã dele numa empresa de comunicação visual e aí que me encontrei com o design. Namoramos por 2 anos e meio e aí terminamos. Ele não era assumido perante a sociedade e isso era horrível, um dos principais motivos da gente terminar. E, na empresa, só tinha homem e sempre rolava uma conversa de que o Rodrigo não saía com ninguém, que ele era isso, era aquilo e eu sempre quieto, porque namorava o irmão da dona da empresa e não podia falar nada pra não entregá-lo. Mas depois do fim do relacionamento, um dia vieram tirar com a minha cara e perguntaram: “Rodrigo, você daria por 1 milhão de reais?” ...Fiquei puto e cansei de aguentar tudo. Respondi: “querido, eu dou por muito menos que isso”. Foi libertador.

Rua247: Nossa! E como ficou sua vida depois disso?
Saí empresa com 23 anos, entrei na faculdade de design, comecei a trabalhar como autônomo. Não queria mais trabalhar pra outros, queria trabalhar pra mim. Fui morar com a minha irmã a e todo ano dizia que ia me mudar e comprar um carro. To sem carro e sem apartamento e continuo na minha irmã. Mas estou feliz e cheio de planos, principalmente com o blog.

Rua247: Ah, o blog! Como surgiu toda a ideia de criar seu blog, o Garoto de Grife?
Eu lia muito o blog da Camila Coutinho, quando ela ainda gongava todo mundo. Adorava! Havia também uma comunidade do Orkut de moda masculina e os meninos fizeram um fórum chamado lookbook. Todo mundo postava os seus e era medonho, gente. Os meninos colocavam assim: saiu o blazer novo da Hermès, a calça nova da Prada e eu comentava que já tinha comprado tudo igualzinho na Renner, na Riachuelo. Então todo mundo ia olhar pra ver minha calça. Senti a necessidade de criar um espaço pra mostrar algo que era do interesse dos outros. Fiz o blog, mas era tudo horrível. Tinha tipo 300 acessos por dia. Comecei em 2009, mas só em 2011 passei a me dedicar mais. Daí o blog começou a crescer, firmar parcerias.

Rua247: E o que você acha de ser um dos únicos blogueiros masculinos que ganhou reconhecimento e, de certa forma, fama por postar sobre moda?
Ah, fiz o blog e o blog bomba porque eu to lá. As pessoas estão lá pra me verem, não só pra ver o post que eu faço. Quando faço um vídeo, ninguém vê pelo vídeo e, sim, por mim, pra me ver. Aprendi a vender minha imagem.

Rua247: E as perspectivas com o blog e com a sua vida?
R: Comecei finalmente a estudar moda. Estou amando! O blog está crescendo cada dia mais e vou aproveitar todo esse sucesso pra chegar onde eu quero. Criar minha marca e saber que provavelmente ela vai dar certo, porque as pessoas gostam do que eu uso, querem ter o que estou usando. Espero ser muito reconhecido pelo meu trabalho e feliz também na minha vida pessoal. As perspectivas são as melhores possíveis e é isso que me motiva todos os dias ao acordar.

Quer conhecer o trabalho do Rodrigo? Acesse o Garoto de Grife!

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