

Rua247: Quais as primeiras lembranças que vêm à sua cabeça agora?
F: Uma melissa azul transparente de bolinha cheia de glitter. Os verões em Balneário. Eu vestida de coelhinho da páscoa. Minha primeira mobilete aos treze anos. A blitz que me pegaram por dirigir sem carteira. Sou um turbilhão.
Rua247: Essa carão que acompanha você hoje em dia, já existia desde pequena?
F: Claro! Sempre tive tudo o que queria, sempre fui a líder da minha rua, todas minhas amigas se reuniam aqui em casa, gostava de decidir tudo, estudei em bons colégios, era amiga de todo mundo. Ih, era bom! Em contrapartida, na escola eu era péssima. Sempre fui péssima aluna. Só era boa em português e educação física. Minha mãe vivia no colégio porque toda semana eu levava bronca. Eu acho que vivo minha vida pra aprontar. Até em retiro espiritual eu dava meu jeito. Aos doze anos, num convento, eu pegava as velas das orações, ia ao jardim, que era cheio de bichos, e queimava os sapos com cera quente. Nunca tive medo de nada, sabe? Era bem inconsequente. Bebia, ia pro Campeche de mobilete, sem placa, sem carteira de motorista, sem capacete. Só com a coragem.
F: Sempre fui deusa, nunca fui comportada. Era safadinha, sabe? Era a mais bonita, a mais assediada, a que mais chamava atenção. Aquela coisa de ficar com dois ou três numa só noite era normal pra mim.
Rua247: E houve vantagem em ser tudo isso?
F: Meus dias mais incríveis existiram por eu ser bonita. Fui convidada pra modelar aqui em Floripa aos dezesseis anos. Fiz comercial das lojas Koerich, da Unisul, da Malwee. Até que um dia, era uma terça-feira, meu primo, que era da organização do Miss Santa Catarina, ligou pra minha mãe e disse: o concurso vai ser sábado, precisávamos de uma representante de Jaraguá do Sul e eu inscrevi a Fábia. Resultado: fiquei em terceiro lugar e fui eleita o mais belo corpo e ganhei, também, como miss fotogenia. No mesmo dia, um dos jurados do concurso era quem comandava o Miss Brasil, o Danilo d’Ávila. Nunca esqueço quando ele disse: “daqui dois meses precisarei de uma representante do Brasil pra mandar pro Miss Intercontinental, na Alemanha. São dois meses de concurso e não consigo enxergar ninguém no país mais bonita que você. Topa?”. Tinha como dizer não, gente?


Rua247: Parece que foi tudo muito rápido, é isso? Como você se via naquele momento em que, de uma semana pra outra, quase se tornava Miss Santa Catarina e era escolhida pra representar o Brasil num evento de porte mundial?
F: Foi uma loucura. É complicado dizer como eu me sentia. Eu amava tudo aquilo e, como eu disse, não tenho medo de nada. Fui e arrasei. Nunca tinha viajado pra fora do país, fiz o passaporte e embarquei. Cheguei à Alemanha e pensei: to lost, não falo inglês e meu portunhol tá ruim! Por outro lado, eu estava muito bem preparada. Namorava, à época, um dono de academia, então meu corpo tava incrível. Beirão, um grande carnavalesco de Floripa, foi o responsável pelo meu traje típico a ser desfilado e me transformou numa Carmen Miranda estilizada. Lembro-me da saia que eu usei, isso em 1997, toda preta e branca em cetim, com o desenho das calçadas de Copacabana. Era novidade aquilo na época, viu? Hoje já tá comum. Fico às vezes pensando naquele tempo, voltando àqueles dias... Fizemos toda Europa de ônibus, viajando pra chegar a cada etapa do concurso. Fiquei amiga de todas as latinas, mas a Paraguay, a Honduras e a Bolívia viraram Best friends. Eu não falava nada, só fingia, e as meninas me ajudavam na comunicação. Ainda assim, eu era a mais amada, porque sempre fui metida a ser cabeleireira, então arrumava o cabelo de todo mundo. Minha escova era poderosa, meu amor! E eu confiava em mim, pegamos frio de -12ºC, mas minhas roupas eram incríveis.
Rua247: Você conta tudo isso com os olhos brilhando, encantada por ter vivido tudo isso. Quando chegou o grande dia do concurso , deu tempo de parar pra pensar em tudo que você estava vivendo e que quase ninguém no mundo vai ter a chance de viver algo parecido?
F: Não parei pra pensar e nem tive tempo de me autoafirmar dessa maneira. Eu sabia que era bonita, mas viva uma constante luta contra a balança, por exemplo. Nunca deixei de ser humilde, talvez morasse aí o segredo de eu ter feito tantas amigas e chegado tão longe. Não ganhei o concurso, embora tenha ficado entre as finalistas, mas não tava nem aí. Olha o tanto que eu havia aproveitado? Terminado tudo, eu, Paraguay e Honduras voamos direto pra Londres, aproveitar uns dias a mais da viagem. Reencontramos alguns jurados do concurso e um deles era dono de uma rede de hotéis enorme na Inglaterra. Ai, como eu era chique, né? Toda a hospedagem na faixa!
Rua247: Ir embora e voltar pra vida que você levava aqui foi um choque muito grande?
F: Que nada, sou flexível em tudo na vida. Voltei e logo no início de 1998 lançaram a revista Raça. Havia um déficit enorme de modelos negros no mercado e as empresas se viam carentes nesse sentido. Era dado início àquele boom do mercado para produtos específicos pra negros, como cosméticos, xampus e por aí vai. A revista entrou nessa onda e resolveu fazer um concurso para eleger uma representante da beleza negra no país. Fiz minha inscrição, mandei uma foto junto e fui selecionada. Quinze dias depois eu estava em São Paulo sendo a única representante da região Sul. Eram 15 mil inscritos e fiquei entre as quatro finalistas. Terminado o concurso, propostas de trabalho não faltaram mais. Como a maioria dos testes eram em São Paulo, acabei me mudando pra lá, com a cara e a coragem.
Rua247: Como você se adaptou saindo de Floripa que, embora seja capital, preserva a cara de cidade pequena e chegando a São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo?
F: Eu passava o dia todo na agencia de modelos atrás de trabalhos. Mas o que me deixou mais firme lá foi ter conhecido o Juba, um modelo lindo e delicioso. Eu namorava um cara de Floripa. E comecei a namorar o Juba também. Fofa, né? Na primeira oportunidade de voltar pra casa ver minha família, terminei com meu namorado daqui e resolvi morar junto da família do Juba. Trabalhei muito em São Paulo. Fiz foto pra capa da Veja, pra pasta de dente Close Up, fiz editoriais de noiva, fotos de caixa de tinta pra cabelo, de creme alisante. Claro, surgiram propostas indecentes também, como ir pra Europa fazer programa. Não topei, obviamente, porque eu era louca, mas era íntegra. Até que encheu o saco morar em São Paulo e quase dois anos depois morando lá, achei que precisava voltar e voltei.
Rua247: E dessa vez o choque da volta foi maior?
F: Também não. Eu queria voltar. Modelei por mais três anos em Florianópolis e resolvi fazer Filosofia na Unisul. Era uma vaga remanescente e precisei cursar seis meses sofrendo porque só depois poderia transferir pro curso que sempre amei, o Jornalismo. Ai, paixão total, sabe? Seis meses depois e eu tava amando o que fazia! Trabalhei na TV, era repórter policial do Roberto Salum, fiz programas na TV Bandeirantes, produção, assessoria. Fiz de tudo. Até me formar, em 2009. Eu ainda era magra. E aí que começaram os problemas com meu peso.


Rua247: Você pode falar mais sobre isso?
F: Eu comecei a namorar um cara em 2008 e ele terminou comigo logo que me formei. Era muito apaixonada. Ele terminou comigo e meu mundo acabou. Minha família tem predisposição genética a doenças como depressão. E, assim, me afundei. Tava sem trabalhar e dava vontade de não fazer nada. Foi bem na fase da minha monografia. E foi até final de 2009, quando dei início ao tratamento da depressão. Uma época horrível em que eu me trancava em casa e comia, só comia. Ainda assim, eu estava gordinha só. Devia estar com uns 90 quilos. Lembro-me de ter ido a Italia fazer meu mestrado em 2010 pesando 95 quilos. E muita coisa aconteceu para eu chegar aos meus atuais 130 quilos.
Rua247: O que aconteceu?
F: Eu trabalhava como assessora de imprensa do Padre Vilson Groh, ele possui até hoje uma ONG, então surgiu uma bolsa pra estudar mestrado numa Universidade do Vaticano. Fiz o teste e fui aprovada. Soube do teste em março e em setembro já estava embarcando. Viajei noiva, o Paulo, meu então namorado, me pediu em noivado antes de eu ir para a Itália. Dois meses depois ele não aguentou e viajou pra lá também. Aí entra a parte ruim: ele ficou um ano nas minhas costas e, mesmo com a bolsa do mestrado sendo num valor legal, tive que fazer muita coisa por ele e sustentava nós dois. O problema foi ter aberto mão de muita coisa pelo Paulo para, três horas antes da minha viagem de volta ao Brasil, ele terminar comigo. Eu me senti traída. O que mais me chocou foi ele ter dito que desde maio já não me queria mais, sendo que viajei só em outubro. Sabe o que é ter a impressão de dormir com o inimigo esse tempo todo? A gente falava sobre filhos, sobre casamento, sobre nossa vida a dois e ele ainda disse que só não terminou antes por achar que eu não teria estrutura emocional pra morar sozinha na Itália. O que ele esqueceu foi que eu já conhecia o mundo lá na época de Miss. Ai, foi uma decepção terrível.
Rua247: E o rompimento com o Paulo foi o responsável por você ter engordado mais, então?
F: Claro. Na volta, fiz escala em Madrid antes de chegar a São Paulo. Imagina a cena: eu, cheia de bagagens, chorando, esperando o avião pra poder chorar no colo da minha mãe. O pior de tudo é que eu queria fazer surpresa ao chegar, meus pais não sabiam ao certo a data. Tava tudo certo, aprovada no mestrado, realizada com o sonho de estudar na Europa e ele fodeu tudo. Voltei pra casa e ao invés de festejar, minha casa parecia um velório.
Rua247: Ainda hoje você se sente magoada por ter sido passada pra trás ou já conseguiu superar?
F: Ainda tenho muito remorso. Às vezes me lembro de uma passagem que me deixa péssima. Havia uma cadeira antiga, de época, no meu apartamento. O Paulo, por não trabalhar, trocava a noite pelo dia, o que já atrapalhava o suficiente meus horários. E ele ficava a noite toda naquela cadeira, que ficava rangendo por ser velha. Some o ranger com o barulho do teclado. Do mouse. Nunca vou esquecer as noites em que não consegui dormir e fingia estar tudo bem por amá-lo demais. Não cheguei a entrar em depressão de novo, mas acabei descontando tudo na comida.
Rua247: Como se tornou sua vida depois de ter engordado? De que maneira você analisava o seu passado, em que sua imagem foi seu trabalho, e o presente, ao ver que as roupas não serviam mais?
F: Depois que eu engordei, até a relação com os homens muda. O relacionamento com a sociedade, desde as coisas bobas, como ir a um barzinho e ficar muito apertada na cadeira de plástico, até coisas mais difíceis de lidar, como assentos minúsculos no ônibus ou passar por uma catraca. E com roupa também é muito complicado. Preciso mandar fazer tudo, ou compro batas. Às vezes ainda aparece um abobado no semáforo e grita: “ô, sua gorda! Ô, seu balão!”. Fico triste, claro, mas hoje essa é a minha realidade.
F: Até parece. Já fiz todas as dietas do universo. Chega um momento em que os tratamentos não fazem mais efeito e era aí que eu engordava mais. Por fim, resolvi me consultar num médico para saber sobre a possibilidade de fazer a cirurgia de redução de estômago. É estranho demais falar sobre isso, só quem tá gordo sabe. Imagine você ter 50, 60 quilos a mais do que já teve um dia. É uma pessoa a mais que você passa a carregar dentro de si. Não costumo pensar muito nisso, senão eu piro. Já foi difícil, mas hoje olho minhas roupas antigas – guardo todas – e penso que logo, logo vou voltar a caber em tudo isso.
F: Final do mês que vem, meu amor! Volto a ser macérrima! Apesar de ser bem ruim a questão da cirurgia, porque dependo do SUS, que é uma bosta, eu estou bem empolgada e preparada pra deitar naquela maca. É uma estrutura sem comunicação, há diversos procedimentos, leis, consultas, etapas, mas é tudo uma zona!
F: Eu sou feliz. Porque eu tenho meus amigos, saio, sou independente. Aprendi a me amar, por mais difícil que possa ser.
F: Depois da cirurgia vou abrir os olhos e quero me sentir já dez quilos mais magra, porque eu mereço! Como magra, a primeira coisa que vou fazer é comprar uma calça jeans. Da Levi’s. Ai, que saudade de poder usar jeans. Descobri da pior maneira que entrar numa calça 38 vale muito mais do que qualquer comida.
Ela fez a redução de estômago? Quero mais notícias dela!
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